É, sim. E vou explicar porque ela é melhor do que a saga que leva o mesmo nome nos quadrinhos. (Sem spoilers… ou talvez só um pouquinho).

Primeiramente, creio que caiba uma retrospectiva em como tudo isso começou. Nos anos 80, há uma história do Aranha sobre uma Plaqueta Mística, que foi adaptada no desenho dos anos 90 e depois serviu como base para o excelente jogo Shattered Dimensions, no qual, pela primeira vez, vimos o Aranha original, o Aranha Ultimate, o Aranha 2099 e o Aranha Noir numa mesma história.

Inclusive, os últimos episódios da série animada chegam a promover um encontro de Aranhas de diferentes universos, provando que esse conceito não é nada novo. Em 2014, a Marvel lançou a saga em quadrinhos “Aranhaverso”, explorando ainda mais as diferentes versões do Homem-Aranha que poderiam existir. Era questão de tempo, portanto, que se fizesse um filme sobre isso.

A primeira parte, Homem-Aranha no Aranhaverso já é um deleite para os olhos. Não é à toa que ganhou o Oscar de melhor animação, por trazer conceitos totalmente originais dessa arte, algo que poderíamos pensar ser impossível em pleno 2019. E sua continuação consegue ir ainda além, sendo simplesmente incrível.

A história do filme original já é bem bacana, de forma que uma continuação não parecia ser necessária. Admito, quando anunciaram, eu torci o nariz, ainda mais depois da decepção com as produções da Marvel de Ultimato pra cá. Quase todas batendo na mesma fórmula, já exaurida, sem trazer nada de novo ou emocionante, com raras exceções.

Através do Aranhaverso é justamente o contrário, felizmente. Fui ver sem expectativa nenhuma, já que estava de férias e conseguia pegar uma sessão mais cedo. Ouvi um elogio aqui e outro ali, mas permanecia cético. E logo no começo você já percebe o impacto que esse filme te causa, contando a história da Gwen-Aranha numa intro MUITO legal.

Depois voltamos à história de Miles Morales, protagonista do primeiro filme e agora um pouco mais maduro, já que ele está há 1 ano na ativa. E aqui percebemos o porquê da decisão de colocar justo ele no centro de tudo: ele é o Aranha mais novo em todos os multiversos, e se vamos falar sobre o que significa ser um Homem-Aranha, faz total sentido que a gente experimente isso através dos olhos dele.

E é isso, por si só, esse conceito simples, que faz desse filme a melhor coisa que a Marvel/Sony fizeram em anos! Vou explicar isso melhor mais à frente, mas o que quero dizer é: se o filme simplesmente se prendesse a esse conceito, já seria um ótimo filme. O que torna ele excelente é que ele vai além: entrega uma animação simplesmente espetacular, diferente de tudo o que você já viu, e conduz a história de forma competentíssima, fazendo referências o tempo todo a quadrinhos, filmes, jogos, etc.

Ok, mas sobre o que é a história, afinal? Bem, se você é daqueles que preferem ver o filme sem saber de nada, melhor pular os parágrafos a seguir.

*** SPOILER ***

Miles esbarra num vilão de quinta categoria chamado Mancha. Nos quadrinhos, ele é o cientista chamado Jonathan Ohm, que trabalhava para o Rei do Crime e acabou ganhando um corpo cheio de buracos interdimensionais. Ele nunca foi lá um grande desafio pro Aranha e sempre foi ridicularizado. Mas aqui, o vilão se cansa de ser feito de piada e, ao descobrir que consegue usar as manchas para viajar através do multiverso, decide usar isso para dar um upgrade em si mesmo.

Esse conceito não é novo. Se você é fã da animação dos anos 90 ou simplesmente leu o meu post sobre ela, já sabe que o Mancha do desenho faz exatamente isso e ele é o responsável por criar portais dimensionais que acabariam tragando Norman Osborn, Mary Jane e tantos outros.

Aqui eles simplesmente expandem esse conceito, nos levando a conhecer os universos por trás desses portais, com uma infinidade de Aranhas dos mais variados estilos. Bem, sem entregar muito o jogo, Miles faz uma burrada e se desentende com o Aranha 2099, que é o líder da parada toda, e acaba tendo que enfrentar todo mundo pra voltar pra casa.

Se tem uma parte chata em tudo isso é que o filme não termina, prometendo uma conclusão para a parte 3.

*** FIM DO SPOILER ***

Se nos quadrinhos, a saga “Aranhaverso” é legal simplesmente por mostrar os diferentes aranhas que existem, aqui esse conceito é expandido, mostrando não apenas os “desenhos” de cada Aranha, mas como seus universos e os estilos de traço também diferem, de uma maneira que só uma animação poderia fazer.

O Punk-Aranha, por exemplo, não tem apenas uma personalidade rebelde, mas toda uma “aura” caótica ao seu redor, remetendo ao auge do punk mesmo. Se temos uma Aranha que é na verdade um avatar digital, o estilo de seu desenho é mais “futurista” e por aí vai.

Mas com certeza um dos mais legais é o Aranha Escarlate, Ben Reilly. Remetendo diretamente à saga dos quadrinhos dos anos 90, ele não só é desenhado no estilo da época, com um quê bidimensional, como também cada palavra que sai de sua boca é uma sátira àquela que é considerada, por vezes, uma das piores eras das HQs de todos os tempos.

Logo na primeira vez que o vemos, ele está melancólico e reclamando de sua vida, exatamente o que víamos constantemente nos quadrinhos. E se os anos 90 são duramente criticados pela sua redundância, ou seja, a “arte” de descrever nos recordatórios exatamente o que está acontecendo entre as quatro linhas, aqui Ben faz exatamente isso e descreve cada ação sua. É hilário demais.

Mas não é apenas isso que torna esse filme melhor do que sua contraparte nos quadrinhos. A história em si é muito mais sincera e emocionante. Na HQ, os Aranhas são reunidos para combater a ameaça dos “Herdeiros”, uma família que caça Homens-Aranha pelo multiverso. Aí você já vê que o mote já começa errado, remetendo a um vilão da pior fase do Aranha nos quadrinhos de todos os tempos (que eu apelido carinhosamente de Idade das Trevas). E pra completar, a Panini fez um serviço muito porco ao publicar essa saga no Brasil, compilando as histórias em ordem de títulos ao invés de ordem cronológica, o que torna a leitura para lá de confusa.

Como se não bastasse, essa saga ainda teve uma continuação chamada “Aranhagedom”, que simplesmente não traz nada de novo. A história, inclusive, é a mesma. E indo ainda mais além, recentemente a saga “Edge of Spider-Verse” não só reuniu todo mundo de novo, como mexeu com a origem do Aranha, trazendo a “grande revelação” de que está tudo relacionado à “Teia da Vida e do Destino” e blablabla. Blergh.

O filme não apela para nada disso. Simplesmente pega a única coisa legal das sagas dos quadrinhos – conhecer outras versões do herói – e tenta responder à pergunta: o que faz do Homem-Aranha um Homem-Aranha?

E a resposta é: sacrifício. E é por conta desse conceito simples que somos transportados por uma jornada espetacular, balançando na teia através do Aranhaverso. Que venha logo a parte 3 para vermos a conclusão dessa jornada, esperando que seja tão incrível quanto as duas primeiras. Seria muito decepcionante se logo a conclusão deixasse a desejar… mas já vimos isso antes, não?

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