Sempre que você assiste a alguma palestra sobre o mercado independente de quadrinhos no Brasil, com certeza vai ouvir uma penca de reclamações. É distribuição que está errada, divulgação que é complicado, o artista que mal consegue se pagar. Eu já ouvia/falava essas coisas desde que comecei a me aventurar como editor/roteirista, lá em 2006. Mas e aí, será que hoje em dia a coisa continua ruim?
O meu primeiro evento de quadrinhos “oficial” foi o FIQ de 2007, que – não por coincidência – também foi a estréia do Quarto Mundo. Ou seja, aquele foi o primeiro evento para muita gente, que hoje relembram, nostálgicos, este já histórico evento. Já naquela época, os quadrinistas iniciantes como eu logo perceberam que a maior “fatia” de seu volume de vendas era em eventos. Íamos a todo tipo de evento então, desde as feirinhas de Osasco até a San Diego Comic Con (arrã… tá bom, Leonardo, acredito).
E neste sentido, o FIQ sempre despontou como o maior evento de quadrinhos não apenas do Brasil, mas de toda a América Latina (quiçá de toda a América, mas isso é outra história). Ponto para o Afonso Andrade e toda a sua equipe, que desde 1999 produzem este fantástico e até pouco tempo atrás, único grande evento do gênero.
Muito bem, se o FIQ é o canal é pra lá que a gente vai. Veio o FIQ 2009 e aí começou a se despontar um “problema” óbvio – mas que não era tão óbvio assim na época: em dois anos, o Quarto Mundo crescera, logo, aumentou-se a quantidade de autores e – consequentemente – de títulos. Aquela montoeira de revistas mal cabiam no estande, que começou a ficar apertado. Não vou me lembrar de números exatos, mas se o coletivo, em si, faturava bem o suficiente para pagar o estande e ainda ter algum lucro, o mesmo não se podia dizer dos artistas individualmente, pois na hora de dividir, o cara ficava apenas, lógico, com o percentual que lhe era devido.
Em outras palavras, os títulos começaram a concorrer entre si. Concorrência é bom, mas em um mercado quase inexpressivo, começa a ficar complicado. Talvez “inexpressivo” não seja bem a palavra aqui, pois de 2007 para cá ouve um enorme “boom” no mercado nacional, o que foi ótimo, mas paradoxalmente, os artistas ainda não conseguiram sobreviver de sua própria arte.
Cresceu o mercado, novos artistas apareceram. O espaço começou a ficar pequeno. O FIQ 2011 voltou a ser na Serraria Souza Pinto (em 2009 havia mudado de lugar e uma senhora chuva ocasionou vários problemas, além do espaço de estandes ser menor), mas a quantidade de gente era tão gigantesca que tinha gente passando mal. No mesmo ano tivemos a Gibicon Zero, um “teste” para a primeira Gibicon a ser realizada no ano seguinte, talvez o primeiro grande evento com o intuito de ser um segundo “FIQ” no país.
E veio a Gibicon 2012, com vários acertos, alguns erros e várias opiniões divididas entre os quadrinistas. Afinal, lembrem-se do que eu disse no começo: o evento pode ser legal o tanto que quiser, mas no fim das contas, o que interessa para o quadrinista é o seu faturamento final. Isso soou meio errado, deixa eu explicar: não se trata de ganância ou de “ser dinheirista”. A grande maioria faz o que faz por paixão, mas ainda tem conta pra pagar, tem a passagem, hospedagem, alimentação (lembre que nem todo estandista é convidado, aliás a maioria não é), táxi, custos com estande, com frete, com impressão, etc… e nada disso é barato. Em suma: fazer quadrinhos é muito legal, mas não enche a barriga de ninguém.
Aí veio o FIQ 2013, talvez a maior e melhor edição do evento até então. Ainda na Serraria, mas com um espaço mais bem aproveitado, mais espaço para estandes e para as mesas dos artistas (novidade implementada na edição de 2011 que todos os eventos posteriores acertadamente copiaram). O resultado: público e artistas satisfeitos e pedindo mais.
E veio mais, na Gibicon deste ano. Aproveito para congratular de novo Fabrizio, Lu e toda a equipe, eu acompanhei de perto o tanto que vocês se foderam para realizar esse puta evento. Houve uma acertada mudança de local, claro, com alguns errinhos, mas que passam por ser uma primeira edição do evento lá, mas já há planos para melhorá-lo para a edição 2016. Programação completa, convidados de peso e exposições maravihosas, que chamaram o público e refletiram em vendas. Em alguns casos, superando as do FIQ.
E tivemos ainda dois outros grandes eventos em 2014: a Brasil Comic Con e a Comic Con Experience. Eu fui na primeira, conforme já relatei aqui. Pelo que pude perceber foi um evento mediano. Conversando com alguns colegas que foram na CCXP, parece-me que foi um evento conceituado. eu conheço a de San Diego, então sei que se eles conseguiram fazer um décimo do que é o evento lá, eu sei que ficou foda.
Mas afinal, voltando então à pergunta do começo: como é que está a situação hoje em dia? Não dá pra saber. O problema é que, diferente de lá fora, no Brasil não temos pesquisas que retratem em números a evolução real de nossas vendas. E o fato da maior parte do mercado ser composta essencialmente por quadrinistas independente só dificulta a coisa toda. Contudo, eu tomei a liberdade de perguntar para alguns colegas quais foram os volumes de vendas de seus estandes, desde o FIQ 2011 (por isso este apanhado geral até agora). Tenham em mente que foram entrevistadas apenas 7 pessoas (eu incluso) o que não é, nem de longe, o ideal para se fazer um estudo decente. Somando-se os totais destas 7 pessoas, o que temos é o seguinte:
FIQ 2011 – R$ 9.845,00
Gibicon 2012 – R$ 4.167,00
FIQ 2013 – R$ 20.320,00
Gibicon 2014 – R$ 25.280,00
Antes das conclusões, algumas ressalvas:
1. A Gibicon 2012 tinha muito menos estandes do que o FIQ 2011;
2. Não necessariamente um artista que esteja num evento estará em outro;
3. Não necessariamente um artista que esteja com estande num evento estará com estande em outro. Ele pode ter migrado para uma mesa ou ter dividido estande com outras pessoas;
4. É sempre bom lembrar que os TÍTULOS vendidos nos eventos não são os mesmos, já que a tendência é que os títulos antigos vão se esgotando e que nos eventos sempre se tenha lançamentos;
Isto posto, a impressão geral que se tem é que os eventos estão, de fato, aumentando e propiciando mais e mais oportunidades de venda para os quadrinistas. Hoje pode-se dizer que superamos em boa parte o problema de divulgação, graças às redes sociais e ferramentas como o catarse e tudo mais, muito embora ainda dependamos da mídia especializada, que é incapaz de cobrir tudo. Distribuição continua sendo um problema, apesar da venda pela internet dar uma boa ajuda, mas é por isso que ainda dependemos dos grandes eventos para continuarmos “vivos”. Ainda é – e acho que sempre vai ser – a maior fatia de nosso faturamento.
Mas este aumento começa a nos mostrar que existe, sim, esperança. É claro que olhando os números brutos assim parece grande coisa, mas temos que lembrar dos custos que eu falei lá em cima. Subtraindo-se tudo, o que sobra já ajuda o artista a bancar uma próxima edição. O que é ótimo, pois antigamente nem sobrava! Hehehehe. Claro que estou sendo bem genérico nesta afirmação e que a grande maioria ainda segue com suas carreiras de reais “ganha-pão” e o quadrinho ainda é encarado como hobbie. Ainda há um longo caminho a percorrer para que sobre o suficiente não apenas para a próxima edição, mas para as três próximas! Assim, talvez, o cara consiga sobreviver da sua arte.
Para finalizar, eu gostaria de realmente, poder fazer uma pesquisa decente sobre o assunto, pra gente poder avaliar como está evoluindo o mercado. Se você é artista independente e quer me dar uma força, peço encarecidamente que responda à pesquisa abaixo e também ajude a divulgá-la entre seus contatos:
http://goo.gl/forms/lSwssY2Q7u
Sei que vai ser chato ter que resgatar o quanto você vendeu a dois, três anos atrás, mas se você tiver isso já meio organizado, não leva mais do que 1 minuto pra responder. E acho que vai ser legal se pudermos ter um apanhado geral do histórico de eventos no Brasil. Vai ser bom pra todo mundo, inclusive aos organizadores, que podem mostrar números de vendas na hora de buscar patrocínio.
Fiquem tranquilos que seus dados jamais serão divulgados, servirão apenas para fins de estudo mesmo. Conto com a colaboração de vocês, valeu!!!