De ontem para hoje umas três pessoas me mandaram uma notícia de que a NASA provou a existência de universos paralelos. Será mesmo?

A notícia em questão foi publicada pela Exame e trata simplesmente da descoberta de partículas que parecem se comportar de maneira contrária no tempo. Daí a dizer que existe outro Universo em que o tempo passa ao contrário é um salto gigantesco e uma senhora inferência. É o mesmo que dizer, após descobrir que existe água em Marte, que existem seres humanos vivendo naquele planeta. É possível? Sim, mas não vamos pular para as conclusões.

Não é incomum que a mídia noticie descobertas científicas com chamarizes sensacionalistas. Afinal, eles têm de atrair leitores. Mas há que se ter certo cuidado com os exageros. Não obstante, a notícia veio muito a calhar, pois já havia um tempo que eu queria escrever sobre o assunto. Universos paralelos é um assunto comum para nós, consumidores da cultura pop. Vimos centenas ou milhares deles em quadrinhos, filmes, séries ou jogos. Mas o que a Ciência tem a dizer sobre isso?

Primeiramente, o assunto não é uma unanimidade na academia. Muitos físicos acreditam na teoria do multiverso, não porque ela é “legal”, mas porque ela ajuda a explicar um dos problemas da Teoria do Big Bang, chamada de sintonia fina. Para esmiuçar um pouco melhor, vou tomar emprestado alguns parágrafos do livro A História do Universo para quem tem pressa, página 196:

“Imagine que o universo tenha uma espécie de painel de controle gigantesco, com uma série de interruptores, botões, etc (…), cada um deles controlando um aspecto do universo. Poderia ser a velocidade da luz, a massa de um elétron ou a força da gravidade. (…) Vejamos o exemplo da gravidade. Se ela fosse mais forte, a matéria seria mais intensamente comprimida no núcleo das estrelas. Elas realizariam o processo de fusão nuclear muito mais rápido e durariam meses ou anos, e não os bilhões de anos em que perduram atualmente. A vida na Terra não teria tido chance de surgir e florescer nessas condições. (…)

Se todos esses ajustes são fortuitos, então como é possível que todos os botões estejam perfeitamente ajustados para fazer surgir um universo cheio de estrelas, planetas, pessoas? (…). Existem várias respostas para esse problema de sintonia fina. Poderia ser obra do puro acaso, ou um Criador onipotente a concebeu da forma que o conhecemos. Nenhuma destas respostas é satisfatória, pois não podem ser testadas.”

Uma terceira explicação é chamada de Inflação Cosmológica, e surgiu para explicar outras inconsistências na Teoria do Big Bang. Não vou me alongar descrevendo cada uma delas, mas basta dizer que essa teoria implica que existiram vários “Big Bangs” no começo do universo. Continuando na página 201:

“Multiplicidade de Big Bangs só pode significar a existência de múltiplos universos. De acordo com a teoria inflacionária cosmológica, deve existir um número infinito deles. As leis da física, as massas de partículas e a intensidade de forças devem ser diferentes em cada um deles, dependendo da maneira singular com que se transformaram de campo inflacionário em Big Bang. (É o equivalente a dizer que) os botões presentes no painel de controle de cada universo tem ajustes ligeiramente diferentes.”

É claro, atualmente não há nenhuma evidência que suporte a teoria e há que se imaginar que exista muita crítica em cima dela. No entanto, paremos para imaginar um instante em que esses universos paralelos realmente existam. Será que, como na ficção, existem cópias nossas vivendo lá, exatamente nesse momento? Acho extremamente improvável.

Extraindo o diálogo entre o Dr. Manhattan e a Laurie, no finzinho do capítulo IX de Watchmen: 

“- …até que sua mãe ama um homem que tem todo motivo para odiar e daquela união, de milhares de milhões de filhos competindo pela fertilização, foi VOCÊ, e VOCÊ APENAS, que emergiu, extraindo uma forma específica desse caos de improbabilidades, como ar virando ouro… esse é o pináculo do improvável. O milagre termodinâmico.
– Mas… se eu, meu nascimento, esse é o milagre termodinâmico, então você pode dizer isso de qualquer pessoa no mundo!
– Sim. Qualquer pessoa no mundo. (…) Vamos, enxugue as lágrimas, porque você é vida, mais rara do que um quark e mais imprevisível do que qualquer sonho de Heisenberg. Enxugue as lágrimas e vamos para casa.”

Esse é não apenas um dos meus diálogos favoritos na série, como evidencia muito o fato de que cada um de nós é um milagre vivo. Se num outro universo, exatamente o seu pai, conhecesse exatamente a sua mãe, é muito improvável que eles concebessem VOCÊ, novamente, naquele universo. Poderiam dar origem a um irmão ou irmã seu, ou a uma pessoa completamente diferente. Isso SE eles viessem a se conhecer, SE os dois fossem férteis, ou mesmo SE viessem a existir naquele universo. Quando começamos a voltar em toda a sequência de eventos que originou o seu nascimento específico, é praticamente impossível que o mesmo se repita novamente, exatamente da mesma maneira, e para todas as pessoas do mundo.

É por isso que uma série como The Man in the High Castle, apesar de divertida, é muito inverossímil. Na série, os nazistas venceram a Segunda Guerra e os duplos das pessoas de nosso universo aparecem lá, nos anos 60, trabalhando para eles, ou para os japoneses, ou formando a resistência. Ora, se os nazistas tivessem vencido a Segunda Guerra, é muito mais provável que toda a população mundial fosse completamente diferente nos anos 60 do que aquela que existiu em nosso universo.

Agora imagine que não existiu Segunda Guerra, ou o Império Romano, ou que um antepassado seu distante morreu por pisar para a direita ao invés da esquerda no campo de batalha, ou que os Gregos perduraram por muito mais tempo. Podemos ficar horas imaginando diversas situações diferentes que poderiam ter acontecido no passado, resultando em um Planeta Terra completamente diferente.

Ou talvez, muito mais provável, sequer tenha havido um Planeta Terra naquele universo. Nosso Sistema Solar é resultado de bilhões e bilhões de anos de choques de átomos, formações de asteroides, planetas chocando-se com planetas, num espaço infinito. Imaginar que tudo isso aconteceria de novo, exatamente da mesma maneira, para formar exatamente os mesmos planetas… volto a dizer, é extremamente improvável.

Isso SE os botões no painel de controle daquele universo estão ajustados exatamente iguais aos nossos. A teoria diz que há uma infinidade de universos, então pode ser que alguns estivessem tão mal ajustados que sequer existiram por 5 minutos. Outros, perduraram com regras completamente diferentes das nossas e nesses, a existência de um planeta Terra é totalmente impossível.

Por isso, sorria, você provavelmente é um ser único não apenas nesse universo, mas em todo um multiverso infinito. Mas se você não gostou dessa conclusão, não desanime. Sempre teremos a ficção para brincar com as ideias de universos similares aos nossos… mas ligeiramente diferentes.

 

 

 

 

 

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