Tenha você gostado ou não de Vingadores Ultimato, é inegável que o filme é um marco na história do cinema e decreta, de uma vez por todas, que a cultura pop/nerd deu a volta por cima. O que quero dizer com isso?
Voltemos algumas décadas atrás. Gibi era coisa de criança e mesmo entre as crianças, era algo meio marginal. Se você quisesse discutir super-herói, vídeo game ou RPG com seus amigos na hora do recreio, que tinha ir pra um canto isolado, caso contrário corria o risco de ser visto por um “bully” que prontamente iria, no mínimo, tirar o maior sarro da sua cara, tipo “Hah, hah, hah, que trouxa, eles lêem gibizinho”.
Isso demorou um tempo para mudar. Talvez tenha sido na época do primeiro filme do Aranha, aquele do Sam Raimi, que as coisas começaram a tomar outro rumo. Eu lembro que na época em que o filme estava para sair, fui almoçar com um colega de trabalho, que até então eu não sabia que também era fã de HQs. Por algum motivo qualquer a gente falou de fazer algo na sexta, não lembro direito, e o cara falou, sem pestanejar, “não, não, sexta eu vou na estreia do Homem-Aranha”.
Lembro que achei aquilo espantoso. O cara começou a falar, sem vergonha nenhuma, como ele colecionava Homem-Aranha e tinha tudo sobre o herói, bonecos, toalhas, cobertores e sei lá mais o quê, ao que eu estava quase me escondendo no restaurante.
Entenda, era uma época em que, se você fosse nerd e estivesse em um ambiente fora do seu meio e encontrasse outro nerd, você falava, baixinho “eu leio gibi”, ao que o outro respondia, mais baixo ainda, com cuidado para ver se não tinha ninguém em volta, “eu também”.
Mas ao mesmo tempo em que ficava na dúvida se eu mandava meu colega falar mais baixo ou não, pensava comigo “Caralho, o cara fala isso, assim, na moral, como se fosse motivo de orgulho”. É claro que hoje é um dos meus melhores amigos.
Avancemos um pouco mais no tempo. Já passamos pelo boom de filmes de herói, pela trilogia Senhor dos Anéis, pela enxurrada de séries viciantes que acabaram por viciar quase que 100% da população. Estou num churrasco qualquer e as pessoas se organizam em rodinhas para conversar, normal. O que tem em comum em todas as rodinhas? Pessoas falando de filmes ou séries.
Em certo ponto, vejo o namorado de uma amiga meio perdido no assunto, já que ele não assiste nada dessas coisas. O cara trabalha com carros, ele queria falar de carros. Bem, vou lá eu e depois de falar sobre “carburador”, “injeção eletrônica” e “limpador de para-brisa”, já havia esgotado todo meu vocabulário sobre carros e o assunto não durou mais do que 5 minutos, muito embora parecesse ter sido duas horas. Fui cuidar da churrasqueira já que, muito embora minha inépcia com carne poderia por em risco o decorrer de uma tarde agradável, me pareceu ser o lugar onde eu pudesse fazer menos estrago.
Mas fiquei pensando. Aquele cara que gostava de carros, muito provavelmente, era o “bully” da escola. Aquele cara que até pouco tempo atrás era o típico esteriótipo do machão brasileiro: só quer saber de samba, carro e futebol.
Lembro de um vídeo antigo do Cauê Moura falando sobre isso, tentando definir o que é ser nerd. Sua definição é simplesmente que nerd é um cara que manja muito sobre um assunto específico. Embora seja um pouco mais do que isso, faz sentido, não acha?
Pega aquele teu sogro que começa a falar de futebol. “Você viu o Joãzinho que tá lá no Atlético Mineiro? O cara começou na base do 15 de Piracicaba, foi pro Ponte Preta, time x, time y e agora taí, arrebentando”. Mano, eu honestamente não sei como conseguem. Acompanhar carreira de jogador de time de futebol deve ser mais difícil que entender a cronologia dos X-Men. Mas vá lá, por algum motivo, um é socialmente aceito, enquanto outro, até pouco tempo atrás, não.
Até o Porta dos Fundos fez um vídeo essa semana tirando sarro do fato de que quem não vê série, é excluído.
Enfim, isso tudo é muito legal, mas como tudo na vida, tem o seu lado negativo. Se por um lado hoje podemos chegar nos “bullys” e gritar “CHUPA, SEU MERDA, AQUI É NERD, CARALHO!!! QUEM É QUE VAI ROUBAR O LANCHE DE QUEM AGORA, CUZÃO???”, por outro, a fanboyzice chegou num nível insuportável.
Estamos num ponto em que mais importa ter um filme com lacração e cenas (aham) “épicas”, do que com uma boa história. Já expliquei por que eu não curti Vingadores: Ultimato e até agora não apareceu ninguém para rebater meus argumentos. Tudo o que eu recebi de resposta de quem não concordou com a crítica foi “ai, como você é chato, foda-se que o roteiro tem furo, deixa eu curtir o filme”.
Talvez eu seja mesmo, porque até pessoas que eu admiro, respeito e manjam de roteiro muito mais do que eu estão pagando pau pro filme, então vai ver sou eu quem está errado. Mas certo ou errado, o roteiro é espinha dorsal de qualquer filme e eu consigo relevar as falhas até certo ponto. Nunca entrei tão a fundo nesse lado “fanboy” da coisa que me permitira ignorar o roteiro por completo. Acho que até gostaria, pois queria mesmo estar no mesmo hype pós-filme que o restante do planeta. Queria mesmo.
A fanboyzice ganhou, “yeeeeyyy”. E vai continuar no topo enquanto Hollywood estiver ganhando rios de dinheiro. E quem vocês acham que perde com isso? Fica a reflexão.
Cara, foi o texto mais coerente que eu li em anos! Sofremos muita zoação (bullyng é coisa atual) na escola. Sobre o passado, citar ainda: sobre como os quadrinhos e até alguns filmes chegavam com um atraso monstruoso no Brasil, ir ao sebo e encontrar um gibi que à anos procurava, ler a revista herói e ficar sonhando com os colecionáveis que só saiam lá fora, ler gibi mocado no ônibus, era tão raro alguma coisa de herói que até figurinha de chicletes do homem-aranha compravamos, etc. Como você falou, hoje em dia, a coisa é tão grande que até nerd sai no soco com nerd, os Marvecos ficam pagando pau com um lixo de filme que te trata como um idiota. Ps 1: eu lembro que quase morri de orgasmo quando vi o Blade Ps 2: S2 dessa conversa de restaurante hahaha.. Abraço
Se não estou enganado comecei a ler gibis em 1982 tinha 12 anos (é já faz um tempo isso) comprava com o troco do pão (leia-se bengala). Era Superaventuras Marvel, Hulk, Superman, Batman, Trapalhões (é meu amigo gibi dos Trapalhões e as histórias eram show) e estudava em escola pública e nunca me zoaram por ler. Falando a verdade o pessoal até pedia emprestado, com o passar dos anos a molecada ficou mais mongoloide. Tanto que hoje existe essa coisa ridícula de fanboy, é de estúdio, de console, de herói, de game, de série, de filme e por aí vai. E o pior é que a grande maioria são marmanjos, bando de sem noção. E parabéns pelo excelente texto.
Obrigado, amigo! Nerd raiz é outra coisa, hehehe.