Em novembro próximo fariam 10 anos de criação do Quarto Mundo, um coletivo de autores independentes que se propunham a colaborar mutuamente para tentar contornar as dificuldades do mercado. Será que alguma coisa mudou nesses 10 anos?

Eu comecei a fazer quadrinhos em 2006, junto com um grupo de amigos que se reunia na Gibiteca de Curitiba. Eu e André Caliman decidimos lançar a revista independente “Quadrinhópole” e estendemos o convite a outros amigos a se juntarem a nós.

Dois meses após o lançamento, estávamos vendendo a nossa revista do lado de fora da Fest Comix, junto com Cadu Simões, na época lançando a Garagem Hermética. Cadu era veterano na “guerrilha independente” já naquela época e começamos a trocar ideia por e-mail. Nos próximos eventos que se seguiram, conhecemos outros autores que estavam na mesma luta e passavam pelas mesmas dificuldades: divulgação e distribuição. Se você é frequentador assíduo dos eventos de quadrinhos, já não deve nem aguentar mais ouvir falar nesse assunto.

Logo, uma lista de discussão surgiu. Pablo Casado, Hector Lima, Daniel Esteves, Will, Jozz, Laudo, Mario Cau, Marcos Venceslau, Leonardo Santana, Bira Dantas, Sérgio Chaves e muitos outros se juntaram nessa lista, que em poucos meses chegou a contar com mais de 100 membros, espalhados pelo Brasil inteiro. Através da lista, autores organizavam-se para ir juntos nos eventos, dividir mesas e trabalhar em conjunto.

Um nome foi sugerido e acolhido por todos: Quarto Mundo. E no FIQ de 2007 deu-se oficialmente sua estreia. O coletivo uniu-se ao de autores independentes mineiros, resultando num estande duplo que chamou atenção de todos no evento. Foi um grandioso passo inicial.

Distribuição

Começou-se, então, a discutir soluções para esses problemas que todos enfrentaram. Uma proposta surgiu para distribuir as revistas: um sistema de trocas. Eu, por exemplo, pegaria revistas de autores de outros lugares para distribuir em Curitiba e vice-versa. Parecia uma ideia boa na época, mas não percebemos um problema óbvio.

Eu trocava, por exemplo, com Daniel Esteves, Will e Cadu, que eram de São Paulo. Os três, que sempre iam juntos nos mesmos eventos, sempre tinham as minhas revistas para vender e acabavam tendo que “concorrer” entre si. Isso não foi um grande problema no começo, mas na medida em que o coletivo cresceu (junto com a produção de quadrinhos nacional), em pouco tempo os caras estavam abarrotados de revistas para carregar de lá para cá, além do fato de que já não conseguiam dar conta de trocar com todos os autores que queriam mandar suas revistas para São Paulo.

Um novo sistema foi proposto. Naquela altura, o coletivo contava com representantes em quase todas as capitais do país. Ora, seria mais fácil, então, mandar as revistas em consignação para estes representantes e eles distribuiriam nas lojas de sua cidade. Depois de um tempo, acertariam os valores das vendas com os autores. Simples, não?

Também não deu certo. O combinado era uma prestação de contas de 3 em 3 meses, mas a maioria mal dava satisfação 1 vez por ano. Muitos sumiram e não deram mais as caras até hoje. Sim, é complicado conciliar trabalho, estudos, família e esse hobbie maldito o qual escolhemos nos dedicar. Mas na medida em que se assume um compromisso, é muita irresponsabilidade não dar um mínimo de satisfação aos colegas que estão dependendo de você. Infelizmente, nem todo mundo pensa assim.

O problema de distribuição, portanto, ainda persiste e não é exclusivo dos quadrinistas independentes. A Comix, famosa loja de São Paulo e uma das maiores do país, parou de distribuir porque não valia a pena. A Devir é uma opção, mas sendo que no sistema deles, eles compram as revistas a partir dos pedidos dos lojistas, não se consegue distribuir decentemente em grandes quantidades. Recentemente até mesmo a gigante Panini decidiu partir para distribuição própria, dadas as dificuldades em chegar nos leitores em um país como o nosso.

Quando alguém me pergunta porque eu não distribuo em banca, eu dou risada. A gente mal consegue distribuir 500, 1000 exemplares, quem dirá produzir os 10, 20, 30 mil que a Chinaglia pede para fazer a distribuição em banca, por uma porcentagem absurda. “Ah, mas então, procura outra distribuidora”, alguém pode pensar. Pode ser. Mas aceitar o percentual dessas empresas para distribuir nosso material significaria dobrar o preço de capa. Ninguém compraria. Ok, pode ser que algum louco comprasse. Mas não venderia o suficiente para cobrir os custos.

Divulgação

Só por  essa breve explanação, acho que já deu para perceber que o problema não é tão simples. E está diretamente relacionado ao outro lado da moeda: divulgação. Para que as pessoas comprem o seu produto, elas precisam conhece-lo. É preciso “furar a bolha”, levar o quadrinho para pessoas que não consomem quadrinho.

Ao longo desses anos de batalha eu já tentei várias coisas nesse sentido. Parcerias com teatro, música, cinema. Nenhuma deu muito resultado a longo prazo. O Quarto Mundo fez algumas tentativas também. Tínhamos uma parceria com o UniversoHQ para mandarmos o “checklist de lançamentos independentes” todo mês, criamos nossa página no Orkut, vivíamos postando coisas lá ou em nosso blog.

E acho que alguma coisa até surtiu efeito, na época. Mas por algum motivo, de lá para cá me parece que a chamada “mídia especializada” criou um certo “asco” com os quadrinhos nacionais e eu não sei o motivo. Estou falando de maneira generalizada, pois obviamente há exceções, mas permitam-me discorrer sobre.

Lembro que quando a Quadrinhópole era revista independente, chegamos a ter resenhas publicadas nos principais blogs e sites de quadrinhos. Hoje, pouquíssimos são os casos em que dou um álbum para um jornalista e o cara faz uma resenha. E diga-se de passagem, o material que eu publico hoje é infinitamente superior ao que eu fazia na época.

Quando digo pode parecer que estou choramingando: “Oh, Deus, ninguém liga pra mim! Oh, dó!”. Não é isso, só dei um exemplo e usei a mim mesmo por ter propriedade para falar, mas conversando com outros autores, percebo que o problema é generalizado e essa percepção de que os quadrinhos nacionais estão (de maneira geral), sendo “deixados de lado”, não é exclusivamente minha, acreditem.

Qual a razão disso? Sério, é uma pergunta sincera. Entendo que a produção cresceu e que às vezes é difícil dar conta de todos os lançamentos e realmente, não dá pra falar de todo mundo. Mas se você sabe que não vai dar conta de fazer resenha, então tenha o mínimo de decência de não aceitar o material que está lhe sendo dado e que foi feito com muito suor, não tenha dúvida disso. Agora, o que vejo acontecer é justo o contrário: jornalista tendo cara de pau de pedir material de graça para autores, alegando fazer resenha, e não faz. Ou quando faz, demora tanto tempo que já não é mais novidade, e lança apenas uma notinha. Desculpa, mas isso não é “resenha”.

Também penso que não custaria nada dividir o material entre os autores daquele blog ou site. Tem site por aí com dez, vinte autores, será que dividindo o material entre si, não é possível de dar conta da demanda? Ou ao menos lançar uma nota falando do lançamento? Cansei de mandar release para sites e ser ignorado. Sites que dizem que “tem orgulho de falar sobre tudo que é quadrinho”, mas preferem falar do mainstream do que ajudar a galera de casa.

Eu entendo que é o mainstream que dá cliques no site (logo, rentabilidade). Eu entendo que tem muito material de baixa qualidade sendo produzido aqui. Mas também há material de baixa qualidade sendo produzido lá, e vocês não deixam de falar sobre eles. A ideia não é ser imparcial?

É, essa parte do post acabou ficando com cara de mimimi. Foi mal, não era essa a intenção, mas é esse o cenário atual, infelizmente. Queria estar escrevendo num clima mais alto astral. Mas é triste perceber que 10 anos se passaram e pouco mudou (a não ser a qualidade do material produzido). Não, mais de 10 anos. Tenho certeza que esses mesmos problemas eram enfrentados pelo pessoal da Grafipar nos anos 80, pelos autores dos anos 90 e agora somos nós que continuamos quebrando a cabeça.

Panorama atual

Aí alguém vai gritar “Mas e o Catarse?”. Ferramentas de crowfunding ajudam sim, é claro. Mas funcionam melhor quando você já tem um produto conhecido. Veja os maiores casos de sucesso lá. É galera que já era conhecida antes mesmo da plataforma existir.

“Então pare de choramingar e faça o que essas pessoas fizeram”, alguém pode dizer. É uma boa dica. E acredite, eu e muitos outros autores estamos tentando. Mas as coisas não são assim tão simples como podem parecer. A verdade é que a grande maioria só continua produzindo por amor à arte, porque financeiramente, não compensa. E ultimamente não se conhece nem chegar no público para se ter ao menos um feedback positivo, que é o que às vezes compensa todo o transtorno.

O que fazer para mudar, então? Bem, essa é a pergunta de um milhão de dólares, não? Se eu tivesse a resposta, com certeza esse post estaria terminando num tom muito melhor. Ah, mas ok, chega desse papo depressivo!

Independente de qualquer coisa, das dificuldades, do mercado ter melhorado ou não, este marco de 10 anos é digno de comemoração, apesar do coletivo não existir mais. Então, quem estiver por São Paulo no próximo sábado, 28, dê um chego na HQEMFOCO para comemorar conosco!

Vai ter feira de quadrinhos independentes, debates, exposições e muito mais! E o melhor, num clima muito mais festivo do que o desse post! Apareçam lá!!!

 

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