Descobri muitas coisas através da música, e vive-versa. Não é de hoje que o cinema faz adaptações de livros, que a música dá sua interpretação em filmes, filmes pegam músicas como trilhas e assim por diante. Nesse sentido, eu descobri The Prisioner, vocês devem imaginar, por causa do Iron Maiden. Vamos falar um pouco sobre essa icônica série britânica dos anos 60.
The Prisioner foi co-criada e protagonizada por Patrick McGoohan e foi ao ar durante 1967 e 1968, com 17 episódios. A premissa é simples: um agente secreto britânico pede demissão e, enquanto arruma as malas para sair de férias, merecidamente, seu apartamento é inundado com gás. Ele desmaia e, ao acordar, está na Vila, um lugarejo secreto onde não há qualquer chance de escapatória.
Certo, por essa premissa, pode parecer clichê. Quantas premissas similares já não vimos em filmes ou séries ao longo dos anos, com uma pessoa ou grupo de pessoas indo parar em algum lugar sem lembrança de como chegaram lá e com frustradas tentativas de escape? Contudo, no que pode parecer uma simples série de mistério e espionagem, há muito mais por trás. Essa trama simplória é a superfície. No fundo, há toda uma simbologia psicológica e filosófica sobre a sociedade e nós mesmos.
Blergh, isso ficou piegas pra cacete, não? Mas não deixe minha inépcia em explicar o quão a série é interessante desiludir você, caro leitor, cara leitora. Irei descrever um breve resumo de cada episódio e depois passaremos à análise das teorias, pode ser? Ah, sim, “teorias”, porque McGoohan nunca chegou a explicar propriamente sobre o que a série se tratava.
Episódio 1: Arrival
O primeiro episódio, evidentemente, mostra o agente chegando na Vila. Como todos os habitantes lá, ele recebe um número: 6. O comandante é o chamado número 2, que muda a quase todo episódio. O número 1 nunca aparece.
6 faz uma tentativa de fugir, mas não consegue. Quase sempre as tentativas são frustradas por “bolhas brancas” que parecer formas de vida. Perseguem os fugitivos e, ao encostar neles, deixam-nos inconscientes. Também nunca é explicado o que essas bizarras bolhas são.
O prisioneiro logo se acostuma com a forma de cumprimento adotada na vila: “Be seeying you” (Algo como: “De olho em você”).
Episódio 2: The Chimes of Big Ben
Uma nova número 8 chega na Vila e planeja uma tentativa de fuga junto com 6. Após um elaborado plano, eles conseguem fugir de barco até o Marrocos, onde pegam um avião de volta a Londres. Lá, 6 prontamente fala com seus superiores sobre o ocorrido, ao que eles não acreditam. Quando ele ouve as batidas do Big Ben e as compara com seu relógio, contudo, descobre que tudo fora uma farsa.
Ele sai do escritório apenas para se encontrar novamente na Vila. Tudo fora um plano de 2 para tentar fazê-lo falar. Uma interessante observação é que o número 2 desse episódio é o único que volta a ocupar o cargo, nos dois episódios finais da série.
Episódio 3: A, B and C
Número 2 acredita que 6 pediu demissão para vender segredos a alguém. Ele ordena, então, que uma médica aplique um procedimento experimental no prisioneiro, enquanto dorme, para que eles entrem em seus sonhos e descubram para qual pessoa ele teria vendido. As suspeitas recaem somente sobre três, os mais próximos dele, que 2 chama de A, B ou C.
No entanto, 6 consegue descobrir o plano e virar o feitiço contra o feiticeiro. E eles seguem sem saber o motivo pelo qual ele pediu demissão.
Episódio 4: Free for All
Número 6 é persuadido a concorrer às eleições para ocupar o cargo de 2. Os dois homens lançam suas campanhas, mas mais uma vez, tudo acaba se revelando um plano da nova número 2.
Episódio 5: The Schizoid Man
Um novo número 6 chega na Vila, idêntico ao nosso protagonista. É claro que no começo, o verdadeiro 6 está perfeitamente seguro de si mesmo, mas aos poucos, pequenos detalhes vão fazendo ele duvidar de sua identidade, o que é precisamente o que número 2 deseja.
Episódio 6: The General
Todos os prisioneiros da Vila, incluindo 6, passam a ser submetidos a um novo procedimento educacional criado pelo “General”, onde o sujeito pode aprender qualquer assunto em questão de 3 minutos. 6 faz o teste e se surpreende com os resultados, mas passa a ficar preocupado que tal tecnologia possa ser usada para controle mental.
Ele começa a investigar mais a fundo, até descobrir que o “General” não é nada menos do que um sofisticado computador, capaz de responder a qualquer pergunta. 6, então, insere uma pergunta que causa pane no computador. Quando Número 2 questiona qual pergunta 6 fez, ele simplesmente responde:
“Por quê?”
Episódio 7: Many Happy Returns
Um dos episódios mais memoráveis, começa com 6 na Vila, descobrindo que está sozinho. Não há nenhum habitante lá, exceto um gato preto. Ele está livre, portanto, para finalmente tentar uma fuga.
6 constrói um barco, enfrenta bandidos, é ajudado por ciganos, pega carona clandestina, até finalmente se ver de volta a Londres. É ajudado por uma mulher que agora ocupa sua casa e consegue voltar ao antigo escritório. Ele reporta aos seus superiores que, apesar de não acreditarem, concordam em deixa-lo investigar mais a fundo e lhe dão um jato com um piloto.
Quando finalmente ele descobre a localização da Vila, o piloto fala “De Olho em Você!” e o ejeta. 6 cai de para-quedas novamente na Vila, apenas para descobrir que a mulher que o ajudara é a nova número 2, que lhe preparou um bolo de aniversário.
Episódio 8: Dance of the Dead
Um corpo chega até a Vila pelo mar e 6 o descobre. Escondendo-o numa caverna, ele encontra um rádio, que tenta usar para se comunicar, sem sucesso. Ele encontra um velho amigo, Dutton, que fora parar lá pelas mesmas razões que ele.
Acontece uma espécie de Carnaval na ilha e ao final, 6 é levado a julgamento pelo crime de possuir um rádio. Ele chama Dutton para lhe ser testemunha, mas nesse ponto, ele já foi quebrado e a única opção de 6 é correr. 2 observa ele se esconder e vai ao seu encontro, apenas para ouvir 6 dizendo, mais uma vez, que jamais irá se render.
Episódio 9: Checkmate
Depois de participar de uma partida de xadrez humano, 6 acredita ter descoberto a chave para descobrir, entre os habitantes, quem é prisioneiro e quem é carcereiro. Com isso, ele bola um plano para encontrar os demais prisioneiros e, juntos, eles bolarem um plano de fuga.
Episódio 10: Hammer into Anvil
Após assistir a morte de uma prisioneira, 6 jura vingança ao novo e sádico Número 2. Pouco a pouco, ele vai convencendo 2 de que é um espião infiltrado por seus superiores, o que termina por fazer o cruel Número 2 implorar para que 6 não o reporte.
Episódio 11: It’s your Funeral
Número 6 descobre um plano para assassinar 2. Normalmente ele não iria intervir, se o plano não utilizasse uma bomba que poderia ferir inocentes. Ele passa, então, a tentar impedir o assassinato, sem saber que, uma vez mais, está sendo manipulado.
Episódio 12: A Change of Mind
Na nova tentativa de 2 em tentar “curar a rebeldia” de 6, ele submete o prisioneiro a um procedimento similar a uma lobotomia, deixando 6 em dúvida se eles conseguiram ou não mexer em sua mente.
Episódio 13: Do Not Forsake Me Oh My Darling
Um cientista chamado Seltzman criou uma tecnologia capaz de trocar as mentes de dois homens. Os superiores de 2 detém essa tecnologia, mas não sabem como fazer o processo inverso. Sabendo que 6 é o único que realmente sabe o paradeiro de Seltzman, eles efetuam o procedimento em um de seus agentes o largam de volta a Londres.
Sem alternativa, 6, com o corpo de um agente inimigo, começa o processo investigativo que o levará a reencontrar seu amigo Professor. O episódio é marcante por fazer várias paródias dos filmes de James Bond.
Episódio 14: Living in Harmony
Sem qualquer explicação, o episódio já começa no Velho Oeste, com Número 6 pedindo demissão do posto de delegado e sendo levado a uma cidadezinha, onde o prefeito corrupto quer a todo custo que 6 trabalhe para ele.
Paródia? Loucura? Outro jogo doentio de 2? O que está acontecendo aqui?
Episódio 15: The Girl who was Death
Outro episódio que figura entre os melhores da série, 6 cruza o caminho com uma misteriosa mulher especialista em assassinatos. Ele começa a investiga-la enquanto foge de suas armadilhas e segue seu rastro até encontrar seu sádico pai com planos megalomaníacos.
Episódio 16: Once Upon a Time
Cansado de planos e esquemas mirabolantes para descobrir por quê 6 pediu demissão, Número 2 decide ir até as últimas consequências: tranca ele e a si mesmo em uma sala repleta de testes psicológicos, onde 6 será obrigado a reviver a própria vida, desde a infância.
Após uma pesada tortura psicológica, 6 ainda resiste e consegue virar o jogo, ao que 2 acaba morrendo. Como prêmio, 6 ganha o direito de finalmente conhecer Número 1.
Episódio 17: Fall Out
Após os eventos do episódio anterior, 6 é levado ao uma sala secreta, onde ocorre uma espécie de julgamento. Ele senta no trono de honra onde acompanha um juiz apresentar outros prisioneiros em forma de revolta.
O primeiro é um que conhecemos no episódio 14, típico adolescente rebelde que se recusa a receber ordens e fica cantarolando enquanto o juiz discursa. O segundo, é o revivido Número 2, que revela-se desafiador ante as autoridades. Os dois são encarcerados.
O juiz, então, fala do terceiro tipo de revolucionário, apontando para Número 6, que deve ser tratado com respeito. Eles lhe dão seu passaporte de volta e dinheiro para voltar a Londres, mas também oferecem a chance de liderá-los. O juiz pede para que 6 discurse, mas os jurados, todos com túnicas e máscaras, não permitem que ele fale, gritando ao mesmo tempo em que 6 tenta discursar.
Ele vai, então, conhecer Número 1. Ao passar por uma câmara e descobrir outros personagens com túnicas e máscaras, ele finalmente encontra um deles com o número “1” bordado na túnica. Ao remover sua máscara, descobre seu próprio rosto, ao que Número 1 o confronta e inicia-se uma gigantesca confusão, que culmina com a Vila sendo destruída e os prisioneiros escapando. 6 volta a Londres junto com os outros dois “revolucionários”.
Ordem dos episódios
Essa é a ordem que foi originalmente exibida. Porém, sabe-se que a ordem de exibição não correspondia necessariamente à ordem de produção. The Prisioner US Home Page sugere que os episódios sejam vistos na seguinte ordem:
Arrival
Dance of the Dead
Free For All
Chimes of Big Ben
Checkmate
The General
A. B. and C.
The Schizoid Man
Many Happy Returns
Living in Harmony
A Change of Mind
Hammer Into Anvil
Do Not Forsake Me, Oh My Darling
It’s Your Funeral
The Girl Who Was Death
Once Upon a Time
Fall Out
O que, de fato, faz bastante sentido, já que nos primeiros episódios, quando 6 ainda é novo na Vila, está tentando escapar a todo custo. Mais ou menos da metade para frente, contudo, a série foca mais nas tentativas de 2 em descobrir o porquê dele pedir demissão, já que, segundo se teoriza, ao responder essa pergunta, 6 entregaria todo o resto.
Tal motivo nunca é revelado na série, bem como dezenas de outras coisas.
As Teorias
O último episódio é, de longe, o que mais destoa de toda a série. Isso tem os seus motivos e, novamente, minha fonte aqui é a The Prisioner US Home Page:
- George Markstein, o co-criador, deixou a série nesse tempo por conta de “diferenças criativas” com McGoohan.
- McGoohan escreveu o roteiro do último episódio em 48 horas antes das filmagens.
“Fall Out” é infestado de simbolismos, mas o que fica mais claro é: Número 6 é o Número 1. Absurdo, certo? Como ele poderia ser o Número 1, se estava a todo tempo procurando escapar da Vila, jurando resistir a Número 2 e tudo mais?
Bem, se for levado ao pé da letra, sim. Mas como eu disse no começo, The Prisioner é muito mais do que uma série de espionagem. E a última cena, com o protagonista voltando ao lar e o “Número 1” estampado em sua porta, não deixa dúvidas nesse sentido.
O fato de McGoohan se ver “livre” para escrever o último episódio diz muita coisa sobre o episódio em si. Ele pôde voltar a falar sobre temas mais subjetivos e não sobre espionagem, como sempre quis. Contudo, ficou difícil de amarrar tudo em um episódio só, o que acabou deixando-o totalmente surreal.
Uma das teorias diz que 6 estaria cansado de ser um número perante o governo, por isso teria pedido demissão. Contudo, ele não pode escapar dessa imposição do Governo e da Sociedade, por isso é forçado a ir para a Vila. Forçado a ser um número. Número 1, portanto, seria a demanda da Sociedade por 6, do qual ele finalmente consegue se livrar no último episódio.
Já Philip Gardiner, autor de “O Código de James Bond”, vai mais além. Ele acredita que o protagonista está passando por um processo alquímico de confronto e redescoberta de si mesmo. A Vila é seu inconsciente. Os “Números 2” são representações de aspectos de sua própria personalidade. É por isso que ele escapa, no final, junto com eles. Você não consegue se separar de sua personalidade.
O próprio McGoohan declarou, em uma entrevista em 1982, que a série tratava do ser humano mais malévolo, nosso maior inimigo, o que está dentro de cada um de nós. Nesse sentido, Número 1 é a imagem de si mesmo que 6 tenta derrotar. Ele está, de certa forma, lutando consigo mesmo durante toda a série.
Uma declaração de 6 no penúltimo episódio corrobora esse fato, quando 2 pergunta, mais uma vez, por que ele pedira demissão e ele responde, simplesmente: “Pela paz de espírito”.
E por fim, Gardiner observa que a própria abertura da série nos dá a resposta, no diálogo:
– Who’s Number 1?
– You’re Number 6.
Perceba o trocadilho: “You are, Number 6”.
A Música do Iron Maiden
E já que falamos do diálogo de abertura, reproduzo aqui o diálogo na íntegra:
– Where am I?
– In the Village.
– What do you want?
– Information.
– Who side you are?
– That would be telling. We want information… information… information…
– You won’t get it.
– By hook or by crook, we will.
– Who are you?
– The new Number Two.
– Who’s Number One?
– You are Number Six.
– I’m not a number! I am a free man!
– Ahahahahahahaha…
A música do Iron começa com uma versão desse diálogo reduzida. Talvez valha a pena reproduzir a letra toda aqui:
“We want information, information, information.”
“Who are you?”
“The new number two.”
“Who is number one?”
“You are number six.”
“I am not a number, I am a free man.”
“HAHAHAHAHAHAHAHA.”
I’m on the run, I’ll kill to eat,
Starving now, feeling dead on my feet.
Going all the way, I’m nature’s beast.
Do what i want, I do as i please.
Run, fight, to breathe, it’s tough.
Now you see me, now you don’t.
Break the walls, I’m coming out.
I’m not a prisoner, I’m a free man,
And my blood is my own now.
Don’t care where the past was,
I know where I’m going…out.
If you kill me, it’s self defence.
If I kill you, then I call it vengeance.
Spit in your eye, I will defy.
You’ll be afraid when I call out your name.
Run, fight, to breathe, it’s gonna be tough.
Now you see me, now you don’t.
Break the walls, I’m coming out.
I’m not a prisoner, I’m a free man,
And my blood is my own now.
Don’t care where the past was,
I know where I’m going.
I’m not a number, I’m a free man,
I’ll live my life how i want to.
You’d better scratch me
from your black book,
‘Cause I’ll run rings around you.
Diz a lenda que o produtor da banda foi falar com McGoohan para pedir os direitos de utilização do diálogo. Após explicar a proposta, McGoohan teria perguntado “Qual o nome da banda mesmo?”. Depois do produtor responder, ele teria dito, simplesmente: “Do it!” (“Manda bala!”).
A Refilmagem
Em 2009 a AMC exibiu uma refilmagem da série, com apenas 6 episódios, estrelada por Jim Caviezel como 6 e Ian McKellen como 2. A série é ainda mais doida que a original.
Desta vez, a Vila é no deserto e 6 não é um agente secreto, mas o funcionário de uma empresa que pediu demissão. As desventuras dele na Vila são narradas ao mesmo tempo em que vemos um flashback dele em Nova Iorque, antes dele ser abduzido.
Temos várias referências à série original, como por exemplo, a bicicleta que era símbolo da Vila (segundo McGoohan, representava o progresso), nomes de episódios e a tal bolha branca, que está de volta. Também vale muito a pena ser vista, então, se você não quer spoilers, melhor pular o próximo parágrafo.
**** SPOILER **** No fim, a série é mais enfática em revelar que a Vila é, realmente, um aspecto de nosso subconsciente. Porém, controlado pela mulher de Número 2, que precisa ficar inconsciente a todo momento. Há muito mais detalhes do que simplesmente isso, é claro, mas acho que já entreguei demais. **** FIM DO SPOILER ****
Sendo a série clássica ou a refilmagem, The Prisioner com certeza tem material de sobra para estudantes de Letras, Sociologia, Filosofia e afins, ou apenas amantes de boas séries.
Um comentário em “The Prisioner (Série de TV)”