O episódio especial “Bandersnatch” se tornou uma sensação em pouco tempo. E a pergunta que está gerando polêmica é: “será que Black Mirror inovou mesmo ao permitir que o usuário escolha os caminhos da história”?

Primeiramente, é preciso frisar que esse tipo de narrativa não é novidade nenhuma. Histórias do tipo “RPG solo”, em que você escolhe o caminho a seguir, existem aos montes. Na literatura, já de cara me vem à cabeça os livros de Ian Livingstone, que eram sensacionais. Além dos caminhos a seguir, você tinha a ficha do seu personagem, onde podia ir anotando itens coletados, a sua vida, sua força, etc., tudo que poderia influenciar na história. As possibilidades eram enormes, para não dizer quase infinitas.

Em jogos eletrônicos, então, nem se fala. Desde a época do Atari haviam jogos em que você poderia escolher diferentes caminhos. No Mega Drive, me lembro de Golden Axe 3 e Streets of Rage 3. No primeiro, haviam diferentes caminhos que levavam a um mesmo final, mas no segundo, as escolhas realmente podiam levar a finais bem diferentes.

E, claro, com o advento das novas gerações, esse tipo de narrativa foi ficando cada vez mais complexa e há uma infinidade de games onde isso acontece. Particularmente, no jogo Quantum Break (Xbox One, 2016), do qual eu já falei aqui, as escolhas levam, inclusive, a “mini-episódios” de uma série live action mesmo, ou seja, com atores reais.

Nos quadrinhos, então, nem se fala, mas do que lembro que li recentemente foi uma história do Juiz Dredd, publicada na JUIZ DREDD MEGAZINE (Mythos), na qual a escolha não se dava apenas no final de cada página, mas sim, quadro por quadro.


Eu mesmo já escrevi algumas histórias do tipo, como O Tortuoso Caso do Fire Shadow, parceria com uma banda aqui de Curitiba, na qual um dos membros da banda morre e o leitor tem que descobrir quem é o assassino.

Então, se já existem histórias do tipo na literatura, nos games e em HQ, sempre me perguntei se seria possível fazer para o cinema ou TV. E Black Mirror mostrou que sim, muito embora seja impossível fugir das comparações com games. Até que ponto a mídia deixa de ser televisiva e começa a se tornar um vídeo game?

As escolhas são interessantes. Na trama, você é um programador de jogos dos anos 80 que quer adaptar um livro – Bandersnatch – que tem justamente essa premissa, do leitor poder escolher entre diferentes caminhos. O episódio não roda em qualquer TV ou dispositivo, sendo que tive que ver no Xbox.

Mas as escolhas são interessantes, desde o que o cara vai tomar no café da manhã até coisas mais complexas. Depois de aproximadamente uns 40 minutos, não foi difícil chegar no final verdadeiro, mas o grande lance com esse tipo de história, independente da mídia, é: você quer explorar todas as possibilidades.

A narrativa, portanto, foi montada pensando nisso. Se você faz uma escolha “errada”, acaba voltando até a última “bifurcação” para tentar uma escolha diferente. E mesmo quando chega no final, pode escolher entre encerrar e voltar. Assim você pode ir voltando infinitamente e tentando dezenas de possibilidades. É de se admirar o trabalho que foi feito, pois não deve ter sido nada fácil. Mas em histórias desse tipo, como se pode imaginar, nunca é.

O problema é que num livro ou numa HQ, você pode voltar exatamente para a página que quiser e começar a partir dali. Em Bandersnatch, você fica limitado a voltar na bifurcação anterior e muitas vezes vai acabar tendo que rever cenas que já viu. Portanto, haja paciência para explorar tudo (e reza lenda que tem até um final secreto). Paciência que eu não tive.

Mas a inovação, ao meu ver, não está em usar esse tipo de narrativa, mas sim, em usá-la juntamente com um recurso que é muito difícil de se ver na TV ou cinema, justamente por conta da limitação dessa mídia: metalinguagem.

Não é por acaso que o protagonista esteja tentando adaptar um RPG solo de um livro para o vídeo game. Isso permitiu algumas sacadas muito boas, como o questionamento do próprio livre-arbítrio do personagem, além de podermos “conversar” com ele em alguns momentos. Até que ele chega à fatídica conclusão de que não está em controle.

É como aquele momento em que o Sonic olha para você da tela do vídeo game e gesticula, como que falando “E aí, meu, vamos com isso ou não? Não tenho o dia todo”. Simplesmente genial.

Os mais aficionados com certeza gastarão algumas horas para explorar todas as possibilidades. Se você não tem tanta paciência, vale fazer uma ou duas tentativas, ao menos para matar a curiosidade. Mas é inegável que Black Mirror está se tornando uma das séries mais inovadoras dos últimos tempos.

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