Publicada na forma de 4 volumes pela Via Lettera em 2000, esta é considerada, por muitos, a melhor obra de Alan Moore, embora seja difícil eleger uma obra que se destaque das demais, em se tratando deste autor que é tido como um dos maiores gênios dos quadrinhos.


Para quem ainda não conhece, trata-se de um drama que tem por objetivo narrar a verdadeira (ou, pelo menos, a mais verdadeira possível) história de Jack, o Estripador.
Moore nutriu-se de praticamente toda a literatura disponível sobre o Estripador para tecer sua obra, o que resultou num épico riquíssimo em detalhes, tanto visual quanto factualmente, e é isso que faz desta uma obra-prima. Para quem não gosta de spoilers, recomendo fortemente que pare a leitura por aqui.

Moore baseia-se, principalmente, no livro “Jack, the Ripper: The Final Solution”, de Stephen Knight. A teoria que o permeia é a seguinte: o Príncipe Albert havia se envolvido com uma plebéia chamada Annie Crook, com quem acabara, em segredo, tendo um filho. Para impedir a destruição do Império Britânico, Crook foi “removida” e internada numa clínica psiquiátrica, mas sua amiga, Marie Kelly, sabia do terrível segredo.
Kelly era uma das muitas prostituas na região de Westminster, que eram frequentemente chantageadas pela Gangue Old Nichol. Para conseguir o dinheiro que a gangue queria e salvar suas amigas e a si mesma, Kelly teria chantageado a coroa, querendo ser paga pelo seu silêncio.
Mas o silêncio delas seria conseguido graças ao médico real, Sir William Gull. Este cavalheiro, ao mesmo tempo em que era um competente cirurgião e um dedicado maçom, tinha seus próprios planos para acabar com as prostituas. Ele realizaria um meticuloso ritual, acreditando que estaria agindo em nome de Deus.
Neste primeiro volume, portanto, somos apresentados ao drama envolvendo “Príncipe Eddy”, seu amigo Walter Sickert, Annie, Mary Kelly e outros personagens relacionados. Também acompanhamos toda a trajetória de Gull, desde sua infância até o momento em que foi incumbido de silenciar Annie Crook.
Em seguida, acompanhamos a vida das prostituas, a chantagem de Mary Kelly, um extenso passeio de charrete por Londres, em que Gull visita todos os pontos simbólicos da cidade para traçar seu plano, e finalmente, a morte da primeira delas, Polly Nichols.

No segundo volume, o inspetor Fred Abberline é designado para o caso, e acompanhamos em detalhes o que aconteceu após a morte da primeira vítima. Na sequência, acompanhamos as horas finais de Annie Chapman e as subsequentes investigações, que não levam a nada, já que a verdade está sendo acobertada pelos companheiros maçônicos de Gull, embora muito a contragosto.
Também compreendemos como foi que Kate Eddowes acabou se tornando uma vítima, já que ela não era uma das 4 que inicialmente seriam alvo de Gull. Na mesma noite em que o bom doutor teria matado Liz Stride, Eddowes regressava a Londres, julgando conhecer a real identidade do Estripador. No entando, ela acabou presa devido à bebedeira e na delegacia, deu seu nome como sendo de Mary Jane Kelly. Informado que a última prostituta seria solta à 1 hora, Gull teve que deixar o “serviço” incompleto e correr atrás daquela que ele julgava ser Kelly, embora mais tarde descobrisse seu engano.
A verdadeira, entretanto, conseguira o dinheiro para pagar a gangue de outra forma, mas ao pagá-los, descobriria que não eram eles quem estavam atacando suas amigas.

Neste terceiro volume, Kelly seria visitada por um culpado Príncipe Eddy, que lhe avisaria do perigo que estava correndo, confirmando suas suspeitas. Essa seria a explicação de Moore do porquê de Mary Kelly estar tão obcecada pelo caso do Estripador nos últimos dias antes de sua morte.
Logo, Gull descobriria seu engano e poderia completar sua tarefa. É aqui também que ficamos sabendo do porquê do título da obra: Gull escreve uma carta à polícia, colocando como endereço “Do Inferno”. Esta teria sido a única carta enviada à polícia que realmente tivesse provindo do verdadeiro “Jack”.
Acompanhamos em detalhes a morte de Mary Kelly, tendo um capítulo inteiro só para a última morte. E ficamos sabendo da história do Sr. Druitt, que acabou se tornando o bode expiatório da história toda.

Por fim, o derradeiro volume nos mostra o encontro de um suposto sensitivo, o “Sr. Lees”, com o Inspetor Abberline, e o primeiro acaba levando o segundo até a porta de Gull, supostamente “sendo guiado por visões”. Gull teria confessado o crime aos dois, dias antes de sua suposta morte. Na verdade, o livro de Knight afirma que a morte de Gull seria forjada e este passaria seus últimos dias num asilo, sob outro nome.
Abberline e Lees seriam comprados pelo silêncio de ambos, e no último capítulo, acompanhamos a morte de Gull e sua jornada, antes da alma desaparecer, em diferentes momentos do tempo relacionados a eventos “místicos”, confirmando, de certa forma, a teoria sobre a quarta dimensão de que ele havia ouvido falar anos atrás.

Todos os volumes vêm com apêndices escritos pelo próprio Moore, que explica as cenas de acordo com a extensa pesquisa elaborada. Desta forma, ele procura relacionar os fatos tidos como verídicos ou semi-verídicos, preenchendo os muitos “buracos” entre eles com ficção, embora sempre pautada em uma beirada da realidade.
O último volume traz ainda um apêndice adicional que procura relacionar as muitas teorias sobre os assassinatos de Whitechapel, chamado “A dança dos apanhadores de gaivota”. Isso, somando-se ao drama narrado em quadrinhos, acaba se tornando uma excelente coletânea de praticamente toda a ciência que se desenvolveu em torno dessa figura quase mística que é Jack, o Estripador.

Em 2001, foi lançado o filme que adaptava esta obra de Moore, tendo Johnny Deep no papel principal. Obviamente, Hollywood modificou a obra de cabo a rabo, para ser consumida pelo “povão”. Ainda assim, o filme tem suas qualidades.
A trama central permanece a mesma, embora a identidade do assassino permaneça desconhecida até os momentos finais do filme. A título de simplificação, todas as vítimas aqui são amigas, incluindo Kate Eddowes, e até mesmo Martha Tabram, que embora não apareça nos quadrinhos, é mencionada nas referências como uma das prostitutas que supostamente teria sido a primeira vítima do Estripador. Essa teoria cairia por terra ao analisar o M.O. do assassinato completamente diferente das demais. Isso é explicado no filme.
As personagens de Abberline e Lees são fundidas, e o inspetor ganha um ar sobrenatural, a fim de deixar o filme mais interessante para o “povão”. Mary Kelly, mocinha do filme, não por acaso é a mais bonita das vítimas, embora ela acabe não se tornando uma vítima aqui. Sim, pois ao que Moore tinha deixado muito subentendido de forma sutilíssima nos quadrinhos, aqui é escancarado para os especadores entenderem que Kelly pode ter escapado de ser executada, e outra pessoa teria morrido em seu lugar.

Como eu disse, o filme tem suas qualidades, mas fica muito aquém da obra original, que é leitura obrigatória para qualquer um que seja fã da nona arte.

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