dexterE finalmente acabou. E você fica se perguntando como pode, aquela que já foi uma das maiores séries da tv, ter tido um final tão medíocre. Bem, venha comigo e vamos analisar juntos. Obviamente que contém spoilers fortes, então se você ainda não viu até o fim, melhor nem ler.

Já falei de Dexter aqui e aqui, mas esses posts estão tão desatualizados que acho que vale a pena dar uma recapitulada geral. Primeiramente, se fosse para resumir a série toda com um único tema, eu diria que o tema é: “Pode um serial killer ser humano?”. Pode ele ter sentimentos, envolver-se emocionalmente e quiçá, um dia, curar-se de sua fome insaciável? Não obstante a isso, também acho que cada temporada teve seu próprio tema, o que tratarei mais adiante.

Antes de revisitarmos cada uma, no entanto, cabe dizer que as quatro primeiras são simplesmente EXCELENTES. É de uma qualidade ímpar no que diz respeito a roteiro e atuações, o que fez da série famosa. O problema veio depois. A quarta temporada é tão boa que ficou muito difícil para os produtores conseguirem superá-la. Daí pra frente foi só ladeira abaixo. Mas vamos com calma, nós chegaremos lá.

– 1ª Temporada:

A série já começa como um soco no estômago. A primeira temporada é, naturalmente, sobre origens. E sobre família. As duas famílias de Dexter: a problemática biológica e a reconfortante de criação. Como tal, seu inimigo nessa temporada não poderia ser outro senão seu irmão, que acaba se revelando um serial killer como ele.

Aqui ficamos sabendo do brutal assassinato de sua mãe e a origem do Código de Harry, bem como tudo que levou Dexter a ser o que ele é. A temporada é tão boa que suas consequências repercutem durante toda a série.

– 2ª Temporada:

Quando a primeira temporada termina, você fica imaginando que em algum momento a Debra acabará caçando seu irmão. E eles nem esperam muito para isso acontecer: a segunda temporada já começa com a descoberta dos corpos que Dexter desova no oceano, o que traz o FBI diretamente para Miami.

Não bastasse isso, a vida pessoal de Dexter entra em turbulência com a chegada de Lyla, uma mulher perigosa que acaba sendo atraída pelo seu lado negro. Dexter fica dividido entre ela e Rita, o que faz com que o tema dessa temporada seja amor, ou, em outras palavras: como um serial killer lidaria com esse sentimento?

É claro, Dexter logo descobriria que Lyla não é flor que se cheire e cortaria a relação, voltando para Rita, com quem acabaria construindo uma vida nas próximas temporadas, e não apenas de fachada: Dexter realmente passou a se importar com ela e com seus enteados, Astor e Cody, de uma maneira que Harry jamais previra.

Há quem diga que essa é uma das melhores temporadas e não é à toa: cada episódio lhe deixa mais ansioso para ver o próximo e culmina com o Sargento Doakes morto, com tudo apontando que seria ele o “Bay Harbor Butcher”.

– 3ª Temporada:

Agora já sabemos quem Dexter é, já acompanhamos sua infância e adolescência. Passado o tempo de definições, é hora de explorar terreno novo. Já sabemos sobre seu irmão. Já sabemos que é muito complicado que ele se envolva verdadeiramente num relacionamento amoroso. É hora de perguntar, contudo: “É possível que ela tenha um amigo de verdade?”. É esse o tema aqui: amizade.

É nesse cenário que surge Miguel Prado. Um homem que vai, pouco a pouco, ganhando a confiança de Dexter, até que ele lhe revele seu lado negro. Em um instante, os dois estão envolvidos e acabam se tornando parceiros no crime. Contudo, Miguel não tem o Código de Harry para guiá-lo. E é aí que as coisas complicam.

Descobrimos que quando dois serial killers se tornam amigos, coisa boa não pode vir disso. Há conflitos de interesse e um deles acabará causando problemas para o outro. Miguel era um excelente manipulador e acabou usando Dexter para descobrir os “meandros” de se tornar um criminoso. Dexter se deixara levar pelo interesse em comum deles acabarem com criminosos, mas Miguel também tem interesses próprios, como matar a promotora que está lhe investigando.

Quando Dexter finalmente descobre que foi usado, entretanto, chega a hora de desfazer a amizade e começa um jogo entre os dois, uma disputa para ver quem é o melhor manipulador. Há quem diga que seja uma temporada fraca, mas eu particularmente gosto bastante e acho que mantém o nível da série.

– 4ª Temporada:

Certo, Dexter já enfrentou seu irmão, uma amante e um amigo. Mas até agora ele não teve um antagonista à altura, alguém com quem ele não tenha relação alguma e que realmente lhe desse trabalho. Um verdadeiro… inimigo. É aí que surge Trinity, ao mesmo tempo em que Dexter se casa com Rita e tem um bebê pequeno. Ele está constituindo uma família de verdade, mas eles se tornaram mais do que um mero disfarce para ele.

O problema é saber lidar com isso. Então, ao invés de matar Trinity na primeira oportunidade, ele decide aprender com ele quando descobre que ele vive com sua família há anos. O que acaba justificando o jogo de gato e rato que os dois se envolvem durante toda a temporada, mas sem parecer forçado.

No entanto, eventualmente Trinity descobre a verdadeira identidade de Dexter e isso tem consequências. É aí que algo inesperado ocorre e seu inimigo acaba matando Rita, sua esposa. Dexter encontra o filho numa poça de sangue da mesma forma que Harry um dia o encontrou no container onde sua mãe morrera.

De longe, a melhor temporada, não só pela excelente construção do duelo entre os dois, mas a própria persona do Trinity, é algo muito bem bolado. Suas origens, sua personalidade forte, os “comos” e “porquês” dele fazer o que faz e, claro, o final inesperado. Não há ninguém que tenha visto a série e não tenha ficado chocado ao ver Rita morta em uma banheira de sangue.

– 5ª Temporada:

Ela começa exatamente de onde a outra parou, sem saber como lidar com a perda de Rita. Luto não era exatamente um sentimento com o qual ele teve que lidar antes, então essa temporada mostra um Dexter perdido, sem rumo, culpando-se pela morte de Rita e buscando por redenção. Ele conhece Lumen, uma mulher que fora sequestrada e seria morta por um grupo de bandidos. Depois de resgatá-la, Dexter decide ir atrás dos canalhas, não apenas para ajudá-la a se vingar, mas também numa tentativa de alcançar a supra-citada redenção.

Talvez por termos um Dexter nessa situação essa seja a temporada mais diferente de todas. Ela é esquisita, não vemos mais o velho Dexter seguro de si e sem emoções. Ele se deixa levar pelo luto, comete erros estúpidos e está o tempo todo à flor da pele.

Mesmo porque o Detetive Quinn é o único que não comprou sua versão da morte de Rita e passa a investigá-lo incessantemente. Algo que se resolve de uma maneira bem ridícula se você parar pra pensar. Quinn desiste de investigar porque está apaixonado por Debra, mas o seu amigo detetive que ele contratara, continua e chega inclusive a descobrir a verdade sobre o que Dexter e Lumen estão aprontando.

Ele liga para Quinn, sequestra Dexter e este acaba matando-o, mas não tem tempo de esconder o corpo. É muito esquisito que Quinn não tenha desconfiado de Dexter e pior, deixa tudo para lá e sequer menciona isso nas temporadas seguintes, como se nada tivesse acontecido.

Esse já seria um primeiro indício de um roteiro relaxado. A temporada não chega a ser ruim, mas como eu disse no começo, perto da última, fica a anos-luz de distância, no quesito de qualidade.

– 6ª Temporada:

Aproveitando os rumores que diziam que o mundo acabaria em 2012, os produtores decidiram fazer uma temporada voltada a religião. Novamente, voltando à questão principal sobre a possibilidade de um serial killer se tornar humano ou não, a pergunta da vez é: “Um serial killer pode seguir alguma religião?”.

Dexter é ateu, mas não porque pensou muito à respeito e chegou à conclusão de que Deus não existe. Ele simplesmente nunca ligou muito para o assunto, já que teve o Código de Harry para guiá-lo e isso sempre foi o suficiente para as suas necessidades. Mas agora ele se depara com essa questão, já que tem um filho para criar e há outras forças em movimento que envolvem o assunto, como o “Doomsday Killer”, um novo inimigo que comete assassinatos ligados ao Apocalipse, com o intuito de precipitar o fim dos tempos.

Diferente das outras temporadas, onde o tema é um pouco sutil, nesta aqui o tema principal está presente a todo momento. Tanto o lado bom da religião – que pode regenerar um criminoso, por exemplo – quanto seu lado ruim – como o fanatismo exagerado que pode inclusive matar pessoas – são abordados.

Essa é uma temporada bastante controversa. Eu, particularmente, gosto bastante dela, mas há gente que odeia. Aqui temos o velho Dexter de volta em sua melhor forma. O maior problema, ao meu ver, são os episódios finais, onde voltamos a ter um jogo de “gato e rato” entre Dexter e seu antagonista. Só que desta vez não temos uma justificativa plausível para isso, como foi o caso de Trinity. E as desculpas que os roteiristas arranjaram para deixar o Doomsday Killer constantemente em fuga me pareceram forçadas demais, o que começa a revelar problemas de roteiro que nunca houveram antes.

Mas o maior problema, e que repercute daqui até o fim, é a descaracterização de Debra. De repente ela se descobre “apaixonada” pelo irmão. Sério, quem é que teve essa ideia de jegue? Ela vai até a igreja onde Dexter está finalmente matando o antagonista da vez para revelar seus sentimentos e acaba presenciando ele cometendo o assassinato. Ok, o final é bem impactante, mas eles poderiam ter usado qualquer outra desculpa para fazer Debra ir até a igreja ao invés de inventar uma paixão platônica incestuosa.

Ainda assim, acho que a série se manteve, até aqui, num nível razoável de qualidade. O problema vem nas duas temporadas finais.

– 7ª Temporada:

Com a descoberta de Deb, toda a temporada acaba se centrando mais nela do que no próprio Dexter. Quais os efeitos que essa descoberta tem sobre ela e no relacionamento dos dois irmãos, por isso talvez o tema aqui seja “fraternidade”. Mas só um parêntese, que atriz ruim essa Jennifer Carpenter, que interpreta a Debra. Se antes ela já falava chorando em quase toda a cena, agora é 100% do tempo. Irritante demais.

Contudo, volta a surgir a possibilidade de Dexter envolver-se num relacionamento amoroso quando é apresentado a Hannah McKay. Em suas próprias palavras: ela não ignora seu lado negro como Rita, nem é atraído por ele como Lyla. Os dois se completam. Mas o modo como acontece é tosco demais.

Dexter sabe que ela é uma assassina, então acaba ficando em sua mira. Ele consegue atraí-la, neutralizá-la e embrulhá-la em plástico, pronta para o abate. E… simplesmente desiste. Liberta ela, os dois transam e, simples assim, começam a namorar.

Ok, a ideia de um relacionamento amoroso entre dois assassinos é poderosa, como no excelente Assassinos por Natureza, mas Dexter jamais ignoraria o Código de Harry só por causa de um rostinho bonito. E eles jamais conversam sobre as vítimas dela. Não é como se ela estivesse “tirando o lixo” como Dexter faz. Ela simplesmente matou inocentes e Dexter está de boa quanto a isso.

Não bastasse, ela mata também um escritor que a investigara e Dexter nem pia. Só cai na real quando ela tenta matar Debra e ainda assim, ao invés de matá-la, a entregara para a polícia com a prova de que ela matara o escritor. É claro que ela dá um jeito de fugir, o que deixa um gancho para a próxima temporada.

Ao mesmo tempo em que tudo isso acontece, Dexter se envolve com um pessoal nada amigável da máfia ucraniana e isso dá o tom da temporada por boa parte do tempo. E tirando os lances com Debra e Hannah, até que a temporada vai bem até os últimos três episódios, com um novo jogo de gato e rato entre Dexter e o mafioso que o persegue. Mas de repente, seu antagonista morre e ficam três episódios restantes para mera encheção de linguiça.

Ainda, temos a LaGuerta investigando incessantemente Dexter e Debra, convencida de que ele é o Bay Harbor Butcher (apelido dado a ele na segunda temporada). Tudo acaba culminando num final tosco, na qual Debra acaba atirando em LaGuerta e matando-a. Foi um desfecho previsível e que continuou descaracterizando totalmente a personagem. Mas calma que piora.

– 8ª Temporada:

Os efeitos da descoberta que Deb fez no final da sexta temporada, bem como sua decisão de matar LaGuerta no final da sétima, continuam repercutindo. Ela sai da polícia e vive numa vida marginal, na qual acredita merecer ser punida, o que causa muitos problemas a Dexter no começo dessa última temporada.

Ele também conhece a Dra. Vogel e descobre que foi ela quem criou o Código de Harry. Oi? Pois é, isso mesmo, foi ela quem, junto com Harry, criou o código, o que a tornaria sua “mãe espiritual”. Sério, eu odeio esse tipo de retcon. Quase nunca é algo bem feito e que realmente acrescente algo ao personagem e aqui isso não é exceção.

Surge também um novo serial killer, o “neurocirurgião”. Sim, de novo, mais um serial killer vem a Miami. Não deve ser uma cidade boa para se visitar, né? Mais à frente descobrimos que o antagonista da vez é filho da Dra. Vogel e por conta desse duelo entre seus dois “filhos”, o tema aqui talvez seja “maternidade”, muito embora o clima de despedida permeie a temporada inteira, já que Hannah volta a aparecer e Dexter planeja fugir com ela para a Argentina.

Mas, não bastasse Miami ser o antro dos serial killers, Dexter descobre mais um. Um jovem que já matara uma vez e que a Dra. Vogel insiste que lhe seja ensinado o Código de Harry. A princípio relutante, Dexter concorda, simples assim, acrescentando mais um item nas forçadas de barra, descaracterizações e falhas de roteiro.

Há uma cena em que estão reunidos para jantar Dexter, Hannah, Dra. Vogel e o seu novo “tutorando”. A coisa toda é tão absurda que você chega a dar risada, parece uma paródia mal-feita das famílias de super-heróis, como Capitão Marvel, Batman ou Superman. Temos o Superman, a Supergirl, o Superboy e até a Supermãe. Só faltou o Supercão.

E a coisa só pior a cada episódio, até que no penúltimo, Dexter finalmente fica frente a frente com seu antagonista, tem a chance de matá-lo, e resolve deixá-lo ir. ELE SIMPLESMENTE LARGA TUDO E VAI EMBORA! Porra!

E a justificativa para isso é ridícula: “Percebi que não preciso matar você, minha fome não existe mais”. Na boa, quantas pessoas na série ele matou e não precisava? O detetive na quinta temporada que sequer se encaixava no código de Harry, se o matou para se proteger. Ou mesmo seu próprio irmão, na primeira temporada. Ele mesmo diz, antes de cortar-lhe a garganta: “Você não é um troféu, mas eu preciso te matar, ou Deb nunca estará segura”. Aqui era a mesma situação, mas ao invés disso, deixou o cara vivo para que Deb o prendesse, mesmo sabendo que ele poderia incriminá-lo a qualquer momento.

E a Deb larga o cara lá sozinho e fica conversando. E aí o agente do FBI que estava atrás de Hannah chega no local e – mesmo tendo fotos do bandido espalhadas por todo lugar – solta o cara achando que ele é a vítima. Aí é demais. Nesse ponto achei que o caras perderam a mão de vez. Resultado: o vilão mata o agente, atira em Debra e foge.

Ainda, uma coisas que sempre incomodou um pouco em toda a série é a facilidade com que Dexter consegue as coisas. Não existe lugar onde ele não consiga entrar, não existe um assassino que ele não consiga provas para poder matá-lo, ele sempre está dez passos na frente da polícia e ninguém nunca vê as merdas que ele faz. E nessa temporada todos esses pequenos “errinhos”, que até podem ser relevados nas demais, são usados à exaustão,  de forma que fica difícil de engolir algumas coisas.

Só pra citar um exemplo, ele rouba o corpo de Debra do hospital na moral, em plena luz do dia e ninguém vê! Tudo bem que estava uma confusão no momento, mas sério… NINGUÉM VÊ ISSO??? Só eu acho esquisito essas coisas?

E tudo bem a Debra morrer no final, acho que merecia mesmo. Mas o jeito que fizeram foi muito tosco. E aí, ok… vendo todo o mal que causou, ele decide deixar pra trás as pessoas que ele ama e forjar sua morte. Até acho a decisão plausível, mas teria outras formas mais dignas de acabar com a série. Com Debra morta, ele poderia simplesmente velejar em direção à tempestade e pronto, acabar assim, já que estava tudo cagado mesmo, ao menos teria sido um final digno.

Mas nãããããooo… vem a cena final, totalmente desnecessária. “Não mereço a felicidade, vou ser um lenhador barbudo e deprimido pro resto da minha vida”. Ah, vá se foder. Poderiam ao menos ter deixado algo no ar… mostrar alguma notícia de que criminosos estão desaparecendo em outra região dos EUA, ou sei lá, algo nesse sentido. Mas ele sozinho, barbudo e carrancudo numa cabana, trabalhando como lenhador, não faz o menor sentido.

Voltando, então, à pergunta-tema da série: “Pode um serial killer ser humano?”. No caso de Dexter, poder-se-ia dizer que sim. Ele teve o Código de Harry para guiá-lo. Com o tempo, passou a desenvolver emoções, passou a realmente envolver-se com as pessoas ao seu redor. E essas emoções acabaram por nublar a sua fome, como ele mesmo admitiu perto do final.

Contudo, aparentemente, mesmo tendo a chance de ser humano, ele decidiu pelo outro lado. Ele entendeu que seu lado negro sempre dominará de alguma forma e isso prejudicará aqueles que ele ama. E com isso, aquela que já foi uma das melhores séries da tv termina.

E termina de forma medíocre, indigna, muito aquém do que se esperava.

p.s. – Ah, e o Harry indo embora, só faltou ele entrar numa porta de luz, assim como o John Wayne no final de Preacher. Aí fechava com chave de ouro…

Um comentário em “Dexter: uma análise

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