Com a inclusão da internet em nossas vidas, a pirataria elevou-se a um novo nível. Álbuns completos de músicas podem ser encontrados e baixados facilmente em MP3. Filmes que ainda nem saíram no cinema já estão disponíveis para dowload, com legendas prontas. Seriados, jogos, programas… praticamente não há o que você não encontre na rede. Com os quadrinhos, não é diferente.
Os quadrinhos digitalizados, apelidados de “scans”, proliferam pelos sites e blogs para serem baixados, numa velocidade espantosa. Há quem defenda que não se trata de pirataria, uma vez que não se ganha dinheiro com isso, mas sim, de divulgação. É justamente aí que reside a polêmica.
Por um lado, temos acesso às HQs de todo o mundo em poucos cliques. Material que possivelmente nunca seria publicado aqui está disponível para qualquer um que tiver paciência de ler no computador (eu, particularmente, detesto). E, tendo em vista que as pequenas editoras mal conseguem se manter no mercado – vide exemplo da Pandora, da Brainstore, da Opera Graphica, e até das dificuldades da Pixel, mesmo incorporada à gigante Ediouro – será que é tão injusto assim recorrer aos scans para ler material de qualidade (já que o que é publicado atualmente é duro de engolir), pois sabe-se lá Deus quando vamos ter a oportunidade de ver uma revista ou um encadernado com essas histórias?
Peguemos como exemplo a série Preacher, de Garth Ennis… exemplo clássico. A série terminou em Outubro de 2000 nos EUA. Aqui, passou pela Metal Pesado, depois a Brainstore assumiu e acabou parando a apenas 6 edições do final. A Pixel assume, volta tudo do começo e começa a lançar os encadernados… ainda faltam 3 e, no ritmo que está, só vamos ver o final da saga em 2012. Isso se não cancelarem a publicação de novo. Já vai fazer 9 anos que a edição 66 foi publicada lá e até hoje, os leitores brasileiros jamais saberiam o que aconteceu… não fossem os scans.
Antes de analisaramos o outro lado, há ainda outro fator que pende a favor dos scans e que deve ser levado em consideração: o elevado preço das atuais publicações, a um nível de qualidade que deixa muito a desejar. Voltemos alguns anos atrás. Você saía correndo do colégio para passar na banca da esquina para ver se já tinham chegado as novas edições de “Homem-Aranha” e “Teia do Aranha” da Editora Abril. Gastava R$ 5,00 e levava pra casa 200 páginas de quadrinhos. Hoje, se você for comprar o Homem-Aranha da Panini, gasta quase R$ 10,00 e leva apenas metade das páginas. Sem contar que eu prefiro ler a Saga do Clone do que saber que o Norman Osborn pegou a Gwen, teve dois filhos gêmeos com ela, que a identidade do Aranha agora é pública e… ah, tinha esquecido… ele fez um pacto com Mefisto, né? Tá, deixa pra lá… já deu pra pegar qual é o ponto, certo?
Há quem afirme que lê os scans justamente para não ter que pagar um preço absurdo sem conhecer a história. O camarada vai lá, lê primeiro e, se a história valer, paga pra ter a edição impressa. Parece uma boa justificativa, não? Os scans serveriam, deste modo, como uma excelente ferramente de divulgação, principalmente para quem é pouco conhecido.
O problema são justamente aqueles leitores que acomodam-se a apenas ler os scans sem nunca comprar nada. Os “sanguessugas”, por assim dizer. O que assusta é que essa nova geração já está nascendo com a mão no mouse e no teclado, ou seja, já têm uma afinidade com o computador, uma facilidade de ler no monitor, que a nossa geração não tem. Boa parte de nós ainda prefere ter o quadrinho impresso, nas mãos. Mas o futuro não parece ser muito promissor para esse tipo de leitor e é justamente isso que preocupa… o futuro são os scans?
Antes de responder, analisemo agora o outro lado. Teoricamente, se os scans proliferam muito mais facilmente do que o quadrinho impresso, isso afetaria consideravelmente a demanda das editoras, o que faria baixar o caixa da empresa, o que acarretaria cortes e, consequentemente, prejudicaria os autores das histórias.
As perguntas que não querem calar: Quanto os scans afetam nas vendas das editoras? Será que esse efeito é realmente negativo, ou os scans, de fato, atuam como uma forma de divulgação e acabam fazendo vender até mais do que o esperado? Qual o percentual de leitores de scans que nunca compram nada (já que são esses que realmente representam o problema)?
Talvez seja fácil para nós dizermos “Ah, não vai ser o scan que eu leio que vai fazer falir a Marvel ou a DC” ou “Não é porque eu deixo de comprar um álbum que o autor vai passar fome” ou ainda “Eu acho que esses leitores ‘sanguessugas’ formam a maior parte dos leitores de scans”.
Bem, se você pensa frequentemente nas duas primeiras sentenças, talvez tenha razão, mas e quanto aos autores nacionais? Aqui não temos um mercado e nem uma Hollywood produzindo filmes com adaptações de HQs para contra-balancear o risco, apesar de termos muita coisa de qualidade, que deixariam até os gringos morrendo de inveja. Não se trata de “ter peninha” dos autores brasileiros (independentes, na maioria), se trata de conhecer o que temos de bom, e ajudar a fortalecer a nossa cultura.
Mas, se você já é do tipo que pensa na última sentença, eu te digo: pode ser. O problema é que não temos números para sustentar essas suposições. Não sabemos o quanto os scans realmente afetam nas vendas das editoras, nem qual a % dos leitores “sanguessugas” na nossa população.
Numa tentativa de jogar uma luz sobre essas quesões, eu e meu xará, o Léo Santana, disponibilizamos uma pesquisa virtual, que alguns leitores responderam, para termos ao menos uma idéia de quando, aqueles que lêem scans, acabam comprando as revistas depois.
Claro que o ideal seria que as editoras, que são as maiores interessadas, disponibilizassem recursos para se elaborar uma pesquisa mais criteriosa. De qualquer forma, quem quiser conferir o resultado, se já não o fez, o relatório se encontra no site da Quadrinhópole, na parte de downloads.
Para fechar, respondo à pergunta que eu mesmo fiz: “Os scans são o futuro?”. Na minha opinião, são, sim. Infelizmente. Não se pode lutar contra a evolução, e tudo indica que no futuro, os quadrinhos serão lidos no laptop e no iphone. Já inclusive existe gente fazendo HQ para esses formatos.
Por hora, enquanto os quadrinhos impressos não acabam, o jeito é valer-se da velha máxima: “não pode com ele, junte-se a ele”. Ou seja, utilizar os scans de forma que eles proporcionem a divulgação necessária para ajudar a construir um mercado de HQs mais forte no Brasil, como já vem acontecendo, pouco a pouco.
Um tema polêmico muito bem colocado e ponderado. Para mim, é uma questão de sobrevivência do mercado. Se ninguém compra, as editoras desaparecem e vamos ficar vivendo de velhos gibis. É como no cinema, se neguinho baixar um filme em 30 segundos, como acontecerá em breve, quem bancará grandes produções?
Pues. Dificilmente a coisa retornará. Mas realmente fica a pergunta – o que acontecerá com o mercado? Vai se despedaçar? Péssimo momento para tentar criar um mercado de quadrinhos nacional (e viver disso). É tarde demais? Só o sombra sabe.